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A física da busca de novos materiais

quarta-feira, 11 maio 2011; \19\America/New_York\America/New_York\k 19 Deixe um comentário Go to comments

Nós falamos bastante das nossas áreas de pesquisa e áreas próximas relacionadas nesse blog, que acaba sendo, por alguma razão, também as mesmas coisas que se encontra nos textos de divulgação científica mais conhecidos como os livros do Stephen Hawking, Marcelo Gleiser e Brian Greene. Mas curiosamente, a maioria dos físicos (em número) não trabalha nem com buracos negros nem com as interações das partículas elementares, e sim com a grande área da física que estuda os materiais, como as propriedades dos sólidos.

E desde o ano passado ocorreram grandes descobertas nessa área, que eu pensei em relatar aqui para que talvez desse um gostinho dela para quem estiver interessado. Foi a confirmação experimental de um material que havia sido idealizado em teoria capaz de conduzir eletricidade de forma perfeita, em uma única direção, e apenas na sua borda. Esses são os chamados isolantes topológicos. Por “forma perfeita”, o que se quer dizer é que os elétrons não podem dar revés quando estão se movendo no material. Em um metal, como os fios de ouro usados em todos os aparelhos eletrônicos modernos, os elétrons andam bem devagar porque batem constantemente nos núcleos atômicos. Em um condutor perfeito, os elétrons tem uma direção única de propagação e por isso não podem ricochetear, movendo-se bem mais rápido.

Na mecânica quântica, os elétrons ligados aos átomos não podem possuir qualquer valor abritrário de energia, que é o que cria o espectro discreto de emissão da luz. Em um material, os elétrons que não estão presos bem perto do núcleo mas podem se mover entre diferentes átomos também tem apenas algumas energias disponíveis para se propagar. É possível existir uma banda contínua de energia disponível, digamos de 15 eV até 30 eV, depois um “buraco” de energias proibidas, digamos de 30 eV a 35 eV, e novamente outra banda de energia, p.ex. de 35 a 40 eV. Os materiais isolantes são aqueles que o número de elétrons de valência preenchem completamente uma banda, e a próxima banda está suficientemente separada em energia de modo que só quando você aplica uma tremenda diferença de potencial elétrico os elétrons conseguem saltar da sua banda preenchida para a banda livre (esta última é a chamada “banda de condução”).


Isolante comum.
Isolante topológico. Elétrons ricocheteiam na borda e se movem em uma única direção.
Crédito da Figura: Ref. [1].

Cada elétron de um isolante fica orbitando apenas um único núcleo do material (ou fica preso entre mais de um em uma ligação covalente, mas deixemos esse caso de lado para simplificar). Em uma analogia da física clássica, nós podemos imaginar que a órbita é circular. Mas como ficam os elétrons que estão presos aos átomos logo na borda do material? Se você fizer uma engenharia bem pensada, pode colocar os elétrons da borda em órbitas que não cabem no material e os elétrons serão forçados a ricochetear da borda, como na figura. Ao ricochetear na borda, o elétron pula de um átomo para o próximo. O resultado é que o material é isolante no seu miolo, mas conduz eletricidade em uma fina camada na sua borda. Se você se permitir nessa analogia um pouco mais e imaginar que os elétrons estão todos ordenados para girar sempre em uma única direção dentro do material, então os elétrons da borda não vão conduzir eletricidade em qualquer sentido: eles só se movem em uma única direção.

A física mais detalhada desses materiais é mais complicada que esse modelo clássico. A real origem da condução na borda tem a ver com o fato de que existe um estado de energia estável na borda que liga a banda de condução até a banda do isolante, tornando a diferença de energia entre as bandas degenerada na interface. Essa solução é o que se chama um instanton, e o elétron fica “saltando” entre um mínimo para o próximo das bandas de energia, criando a condução elétrica de uma forma que ainda não se tinha visto até esse sistema aparecer. Uma explicação mais realista você encontrará na Ref. [1].

O que motiva muitos físicos a trabalhar com esses problemas é que são esses novos materiais, como o grafeno e os isolantes topológicos, que podem ser usados em grandes revoluções tecnológicas, como o efeito de tunelamento entre interfaces de semicondutores levou a invenção dos diodos e transitores semicondutores, que são os componentes dos chips de silício usados em computadores, nos sensores das câmeras digitais e celulares, e quase tudo que você possa imaginar de eletrônico.

Referência
1. Hasan, M.Z. and C.L. Kane (2010). “Colloquium: Topological insulators,” Rev. Mod. Phys. vol. 82, pp. 3045-3067. Download: [UPENN] [APS]

Há também o vídeo deste colóquio (1h de duração).

  1. Leandro Seixas Rocha
    domingo, 15 maio 2011; \19\America/New_York\America/New_York\k 19 às 19:25:23 EDT

    Oi Leonardo,
    legal você tocar no assunto dos Isolantes topológicos. Eu estava pensando em falar deste material aqui no Blog, mas você foi mais rápido :). Muito legal a postagem, mas é necessário fazer alguns comentários.

    Primeiro, tem que ter cuidado do que está sendo chamado aqui de condução de forma “perfeita”. Um isolante topológicos não é um supercondutor, então há uma condutância finita associada ao transporte de elétrons. Assim como no grafeno, no nanotubo de carbono ou em algumas outras nanoestruturas, podem haver processos de espalhamentos nesta condução, mas o comprimento de livre caminho médio é maior que as dimensões associadas as nanoestruturas. Este comparação entre livre caminho médio e dimensões do sistema caracteriza um *transporte balístico*, mas o transporte balístico dos isolantes topológicos não são “perfeitos”. O que chama atenção neste material é que suas propriedades eletrônicas permitem que haja uma corrente de um spin numa direção, e do outro spin na direção contrária. Assim, temos uma corrente elétrica total nula, mas corrente de spin não-nula. Algumas pessoas dizem que não há dissipação de energia nesta corrente de spin, mas eu não compro esta idéia, é necessário de mais estudos sobre isto.

    Outra coisa é sobre a origem dos estados de superfície dos isolantes topológicos. Não é necessário aplicar campo magnético (como no efeito Hall), campo elétrico, ou qualquer outra coisa para estes estados aparecerem. Estes estados aparecem por si só. A principal causa da existência deste estados é o acoplamento spin-órbita. Este tipo de acoplamento faz com que a banda de condução “desça” e a banda de valência “suba”. No caso dos isolantes topológicos o acoplamento spin-órbita é tão forte que chega a inverter os estados em torno de alguns pontos da zona de Brillouin. Esta inversão ocorre no bulk, longe das superfícies. Na superfície do material ocorre uma “desinversão” (Esta palavra existe?) dos estados, que acabam se cruzando e formando um estado metálico.

    É possível associar um número quântico topológico (\mathbb{Z}_2) à cada estrutura de banda, de forma que você possa dizer se um isolante é topológico ou não vendo apenas a banda do bulk, sem ver a superfície. Por isto este material leva este nome de isolante topológico.

  1. quinta-feira, 12 maio 2011; \19\America/New_York\America/New_York\k 19 às 19:43:45 EDT
  2. domingo, 15 maio 2011; \19\America/New_York\America/New_York\k 19 às 21:12:38 EDT

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