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Teorema do Livre Arbítrio

domingo, 8 mar 2009; \10\America/New_York\America/New_York\k 10 Deixe um comentário Go to comments

Teorema do Livre Arbítrio

Essencialmente, o enunciado desse teorema diz que se nós, seres humanos, temos livre arbítrio, então partículas elementares também já possuem sua justa parte desse bem. Mais ainda, a demonstração desse teorema não necessita [e, portanto, sequer menciona os termos] dos conceitos de “probabilidade” nem de “estados” [que determinam tais probabilidades], o que é excelente, uma vez que essas noções já causaram confusão demais.

Mas, antes de entrar nos pormenores desse resultado (e de sua versão mais robusta, chamada de “Teorema Forte do Livre Arbítrio”), é melhor começarmos com alguns problemas um pouco mais leves.

O Paradoxo EPR

O Paradoxo EPR (nomeado em homenagem aos seus criadores: Einstein, Podolsky e Rosen) era um experimento mental quando foi concebido, porém, atualmente, já tem sido testado em laboratórios. Essencialmente, ele diz o seguinte:

Paradoxo EPR

Dois fótons são emitidos a partir duma mesma fonte (que tem spin 0), de modo que suas polarizações são opostas — dessa forma, quando uma medida é feita sobre a polarização de um dos fótons na direção de um dos eixos o outro necessariamente terá a polarização complementar.

Agora, suponha que você meça a polarização de um dos fótons na direção do eixo ‘x‘. Isso automaticamente nos diz que a polarização do outro fóton estará “alinhada” ao longo do eixo ‘y‘. Portanto, como um dos fótons nunca foi medido, a única possibilidade é que ele tenha tido sua polarização alinhada ao longo do eixo ‘y‘ no momento que a polarização do primeiro foi medida.

Porém, nós poderíamos ter feito esse experimento ao longo de qualquer eixo! E eis o paradoxo: você, aparentemente, obtém informação sobre uma partícula quântica sem nunca ter que medí-la. Na verdade, você não pode devido ao teorema de não-clonagem: o resultado da medida continua não-determinístico, o que muda são correlações. Para se medir correlações é necessário medir várias vezes a mesma coisa, o que é impossível dado o teorema. Mas foi essa estranha ação à distância que levou Einstein, Podolsky e Rosen a considerarem esse experimento.

E é aqui que os resultados obtidos por um Irlandês chamado John S. Bell se fazem importantes: Bell derivou algumas desigualdades que relacionam os resultados de medidas feitas em objetos [quânticos] fisicamente separados. Essas desigualdades são violadas pela Mecânica Quântica, mas devem necessariamente serem satisfeitas por um par de partículas que se comportam como quantidades independentes depois de terem sido separadas.

Portanto, a violação das desigualdades de Bell demonstra a presença de efeitos intrinsecamente quânticos (chamados de emaranhamento quântico) que não podem ser explicados por nenhum modelo onde as partículas são tratadas como objetos independentes cujas propriedades sejam pré-determinadas e cujas interações sejam locais. Nesse ponto, a maioria das teorias de variáveis ocultas, como a famosa Teoria da Onda-Piloto de Bohm, saem incólumes pois são não-locais (embora haja muitas definições para a palavra não-local e por muitas vezes um sentido é usado no lugar de outro quando não são equivalentes).

O Paradoxo de Kochen–Specker

O Teorema de Kochen-Specker (KS) é um complemento às Desigualdades de Bell. O teorema demonstra que existe uma contradição fundamental entre duas hipóteses básicas de “teorias com variáveis escondidas” (usadas para reproduzir os resultados da mecânica quântica): (1) todas as variáveis escondidas têm um valor definido para qualquer instante; & (2) os valores dessas variáveis são intrínsecos e independentes do aparelho usado para medí-las.

A contradição acontece porque observáveis em mecânica quântica não precisam ser comutativos, tornando impossível de se colocar a álgebra desses observáveis dentro duma álgebra comutativa — que, por hipótese, representa a estrutura clássica duma teoria com variáveis escondidas.

Ou seja, a prova do Teorema KS demonstra a impossibilidade da hipótese de Einstein (acima), que observáveis em mecânica quântica representam “elementos da realidade física”. As teorias de variáveis escondidas, tais como a Teoria de Onda-Piloto de Bohm, tentam contornar essa dificuldade dizendo que graus de liberdade spin (ou qualquer outro utilizado para essa argumentação) não existem de verdade, mas que eles são uma construção “contextual” ao experimento. Face à relatividade, entendemos essa postura como um absurdo físico injustificável. Além disso, o que se está fazendo é abrir mão de um realismo em função de outro, algo menos justificável ainda.

Dessa forma, como o Teorema do Livre Arbítrio é baseado no Teorema KS, ele essencialmente, invalida, sob hipóteses físicas muito razoáveis, qualquer teoria de variáveis escondidas pois ele sugere uma forma explícita de como realizar as hipóteses desse teorema — mas isso vem na próxima seção.

Teorema do Livre Arbítrio

A prova do teorema é baseada em três axiomas, chamados de ‘fin’, ‘spin’ e ‘twin’:

  1. Fin: existe uma velocidade máxima para a propagação de informação (causalidade);
  2. Spin: a componente ao quadrado de partículas elementares de spin 1, medidas em três eixos ortogonais, será uma permutação de (1,1,0).
  3. Twin: é possível “emaranhar” duas partículas elementares, e separá-las por uma distância significativa, de modo que elas tenham os mesmos resultados para o quadrado do spin em direções paralelas (essa é uma conseqüência do “emaranhamento quântico”, apesar de ser mais limitada).

Na versão “forte” do teorema, o axioma ‘fin’ é substituído pelo ‘min’,

  • Min: nem toda informação precisa ter propagação com velocidade finita, apenas aquela informação pertinente às medidas (a serem feitas).

Mas, antes da demonstração… é sempre bom sabermos o que ele diz: dados os axiomas acima, se os dois experimentos em questão são “livres” para fazerem “escolhas” sobre quais medidas fazer, então os resultados desses experimentos não podem ser determinado por nada que tenha acontecido antes das medidas. Mais ainda, é demonstrado que esse resultado não é conseqüência de “aleatoriedade”, portanto uma mistura entre “leis da física” e “variação aleatória” também não funciona.


Também é bom sabermos que, embora Spin e Twin sejam consequências da Mecânica Quântica tradicional, o teorema do livre arbítrio não faz qualquer menção a esse formalismo, sendo suportado apenas por esses fatos que são amplamentes  verificados experimentalmente.

A tática da demonstração do teorema feito em [The Strong Free Will Theorem] é por contradição e se baseia em separar o que é livre arbítrio do que é pré-determinado em dois aparatos experimentais independentes (usando Fin, ao se admitir implicitamente uma separação tipo-espaço entre eles), daí usar um argumento tipo EPR [Twin] para argumentar que a medida em cada eixo de uma tripla ortogonal é perfeitamente correlacionada com a medida do segundo aparato (embora a noção de “primeiro” e “segundo” em experimentos separados por intervalos tipo espaço não seja muito relevante já que é dependente do referencial) e daí usar [Spin] para mostrar que a componente pré-determinada não pode existir através de um argumento do tipo KS.

Esse teorema tem, para ser sincero, pouco espaço sobre a Física mais muito espaço sobre o grande debate filosófico entre mecanicismo e livre arbítrio. A mecânica quântica tradicional argumenta de forma prática sobre essas questões ao introduzir o não determinismo na medida de quantidades físicas. É verdade que isso abre um outro debate de como o processo de medida destrói, ou pelos torna impraticável de detecção, a interferência quântica. Contudo, isso pode ser explicado pelas idéias que levam o nome de descoerência em que é a existência de muitos graus de liberdade no meio em que a medida é feita faz com que a mistura de resultados seja desprovida de termos quânticos, mas o carácter não-determinístico do resultado persiste. O maior valor desse teorema do livre arbítrio é colocar, de forma clara, o motivo porque uma teoria com variáveis ocultas não deve possuir validade física no caso relativístico e, consequentemente, como teorias quânticas de campos (para uma versão mais Física do assunto, veja Lectures on Quantum Field Theory ou Fields; e para uma versão mais matemática do assunto, veja Quantum Field Theory–IAS) que são nossas melhores teorias para descrever a natureza.

Mas… o fato da mecânica quântica ser estranha ao nosso senso comum não faz dela certa nem errada. E devemos ter cuidado com os preconceitos quando estamos criando hipóteses físicas para construir nossos modelos. A maior limitação do teorema do livre arbítrio é não dar nenhuma boa razão científica do porque o experimentador teria livre arbítrio, ou mesmo se não-determinismo é equivalente à livre arbítrio. Se o “livre arbítrio” for, por exemplo, apenas uma limitação experimental, seja de medida ou de determinação das condições iniciais, não há razão teórica para essa limitação não poder ser traduzida numa teoria de variáveis ocultas (não local, mas ainda assim com os problemas que citamos antes). Entretanto, se quisermos beber do que a mecânica quântica nos ensinou e adotar uma postura filosófica que nos parece inclusive mais razoável, então não há espaço para variáveis ocultas.

Referências…

 

Autores…

Esse texto foi editado em colaboração por Daniel Doro Ferrante e Rafael Lopes de Sá.

Categorias:Ars Physica
  1. Leonardo
    terça-feira, 10 mar 2009; \11\America/New_York\America/New_York\k 11 às 12:46:40 EDT

    interessante, ainda não tinha ouvido falar destes resultados, mas estou um pouco cético, vou olhar com mais cuidado qualquer dia… 🙂

    • terça-feira, 10 mar 2009; \11\America/New_York\America/New_York\k 11 às 14:01:58 EDT

      @ Leo,

      É pra evitar maiores danos que demos as referências para os artigos originais. 😉

      []’s.

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