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Calorimetria em altas energias

quarta-feira, 30 jun 2010; \26\America/New_York\America/New_York\k 26 Deixe um comentário Go to comments

Há muito tempo eu prometi falar sobre calorímetros em altas energias. Recentemente assisti umas aulas sobre esse assunto que serviram para organizar meu pensamento com outras coisas que já tinha lido anteriormente. Isso me motivou então a escrever esse post, falando um pouco sobre o processo de medir energia de partículas (além da conveniência de poder copiar as imagens 🙂 ).

O que é calorimetria e por que fazer calorimetria?

Calorímetros são instrumentos que medem o calor produzido por uma certa reação físico-química. Em física de altas energias, estamos interessados em colisões de partículas e estamos interessados em medir a energia das partículas produzidas antes mesmo delas termalizarem com o meio. Então, a partir desse momento, calorímetros são instrumentos que medem energia e direção das partículas e o objetivo desse post é tentar explicar como isso é feito.

A maneira mais clássica de se medir momento de uma partícula é através de uma técnica chamada tracking que todos nós aprendemos no ensino médio: você faz a partícula passar por uma região com um campo magnético uniforme e constante e mede a curvatura que ela faz. Essa técnica funciona muito bem e é amplamente usada até porque ela permite fazer mais do que simplesmente medir momento, mas isso é assunto para outro post. No entanto, tracking tem problemas difíceis de se lidar em altas energias (todos os fatos abaixo são possíveis de serem demonstrados com física de ensino médio):

  • Quanto maior o momento da partícula, menor é seu raio de curvatura, e uma resolução \sigma(x) na sua habilidade de distinguir o quanto a partícula desviou no campo magnético implica uma resolução \frac{\sigma(p)}{p} \propto p. Isso quer dizer que quanto mais energética a partícula, menor sua resolução.
  • Tracking só funciona com partículas carregadas eletricamente.
  • Todas as partículas deixam o mesmo tipo de sinal no detector.
  • Se você quer atingir uma certa resolução \frac{\sigma(p)}{p}, o tamanho do detector cresce polinomialmente com o momento da partícula L \propto \sqrt{p}.

Já num calorímetro:

  • Um calorímetro é sensível tanto a partículas carregadas quanto neutras.
  • O padrão do chuveiro permite distinguir diferentes partículas.
  • O processo de medição é um processo de Poisson, e logo a resolução aumenta com o aumento da energia \frac{\sigma(E)}{E} \propto \frac{1}{\sqrt{E}}.
  • Para uma dada resolução, o tamanho do detector cresce apenas com o logarítmo da energia L\propto \log(E)

Antes de fechar a seção e começarmos a tentar entender os pontos acima, há dois outros comentários que devem ser feitos. Se você identifica a partícula e mede sua energia, você pode saber o módulo do momento. Num sistema de tracking, contudo, além do módulo do momento, temos também sua direção. Para solucionar esse problema, se constrói o calorímetro segmentado na direção polar, azimutal e radial. Claro que comparado a um sistema de tracking, essa segmentação é grosseira, mas funciona de forma complementar nos experimentos modernos de altas energias.

O outro comentário é sobre a forma da leitura da medida. Num calorímetro tradicional, a reação acontece num meio sensível que tem sua temperatura alterada. Medindo a diferença de temperatura, você sabe quanta energia foi liberada da reação. Fazer isso num experimento de partículas é complicado, porque, apesar das partículas serem muito enegéticas, quer se medir apenas uma pequena quantidade delas. Então, a energia total depositada é muito pequena. Por exemplo, uma partícula de 10\, GeV \simeq 4\cdot 10^{-10}\, cal em 1\, kg de água alteraria a temperatura por décimos de picokelvin em algo que está a a várias centenas de kelvin e não tem termômetro no mundo com essa resolução. Além disso, para energia termalizar demora um tempo mais longo do que disponível para a leitura. Então, temos que medir a energia antes dela termalizar e para isso precisamos entender um pouco melhor como radiação interage com a matéria.

Interação eletromagnética da radiação com a matéria

Quando uma partícula carregada passa pela matéria várias coisas podem acontecer, como mostrado no gráfico abaixo. Usarei aqui elétrons/pósitrons como exemplo, as outras partículas não são muito diferentes, só mudam as escalas.

Vamos tentar entender o gráfico acima. No eixo horizontal temos uma escala logarítma de energia. Pense num decaimento típico de Z, onde o produto é um elétron e um pósitron. Mesmo que esse Z esteja parado, a energia deles é em torno de 40 GeV. Essa é a partícula típica que queremos detectar no calorímetro e isso quer dizer que estaremos inicialmente olhando para o extremo direito do gráfico. Aqui vale fazer um comentário interessante: no imaginário popular, quando antimatéria entra em contato com matéria sempre há uma aniquilação. O gráfico mostra que isso é extremamente improvável em altas energias, sendo a única contribuição relevante de bremsstrahlung.

Na escala vertical temos a derivada logarítma da energia da partícula por comprimento de radiação X_0. Comprimento de radiação é uma quantidade que varia de material para material e que é definido como o comprimento que a partícula vai perder em média 1/e da sua energia inicial por bremsstrahlung. As curvas de perda de energia podem variar bastante de material para material, mas em função do comprimento de radiação elas são parecidas.

O processo de bremsstrahlung é a emissão de um fóton por um elétron na presença de um núcleo atômico que absorve o recúo. Todos os processos acima são bem conhecidos e é parte de qualquer curso de Teoria Quântica de Campos calcular esses processos (claro que detalhes atômicos podem complicar bastante fatores de forma). No bremsstrahlung, o elétron não é destruído, mas continua se propagando com uma energia menor, pois parte da sua energia foi irradiada em forma de fótons. Eventualmente, a energia vai ser tal que é mais provável que ele ionize o material do que simplemente emita um fóton e nesse momento o elétron vai deixar de se propagar para simplesmente estar na estrutura do material. Essa energia é chamada energia crítica e é um valor importante para simulações da interação da radiação com a matéria. Empiricamente, essa energia é bem aproximada por:

E_c \simeq \frac{580\, MeV}{Z}

onde Z é o número atômico do material. Ionização é o destino da maioria dos elétrons e pósitrons num calorímetro.

Quando fótons em altas energias passam pela matéria, outros efeitos entram em jogo e o gráfico abaixo mostra o que pode acontecer:

Você vê que em altas energias, espalhamentos coerentes (espalhamentos de Rayleigh) são extremamente improváveis. Em metais, esse limite está numa energia um pouco maior, já que os elétrons estão essencialmente livres na estrutura metálica, mas ainda assim, para fótons de vários GeV, o efeito não contribui. Nessa escala, a única coisa que acontece na prática é a criação de pares. Isso nada mais é que a criação de um elétron-pósitron a partir de um fóton na presença de outro corpo para absorver o recúo. No gráfico, como a escala vertical é logarítma, vê-se que a contribuição nuclear (\kappa_{nuc}) é muito maior que a eletrônica (\kappa_{e}). Tal como o bremsstrahlung, a criação de pares não interrompe o sinal, apenas faz com que a propagação continue na forma de elétrons e pósitrons em vez de fótons. Esse tipo de multiplicação sucessiva de partículas: elétrons gerando fótons e elétrons por breemsstrahlung e fótons gerando elétrons e pósitron por criação de pares chama-se chuveiro de partículas. Nesse caso, como os processos são eletromagnéticos, chama-se chuveiro eletromagnético.

Eventualmente, o fóton terá uma energia tão baixa que é mais provável que ele gere um elétron livre por efeito fotoelétrico do que crie um par. Nesse momento o fóton é absorvido e, tal como no caso da ionização, temos um elétron livre. É verdade que esses são materiais simples. Em materiais mais elaborados outros efeitos podem acontecer e isso será mais importante adiante.

Modelos e simulação Monte Carlo de chuveiros em calorímetros

Vamos fazer um modelo simples de chuveiro que vai nos permitir entender um dos pontos que levantei acima sobre como os calorímetros crescem em tamanho com o aumenta da energia. Vamos supor que os processos são sempre bremsstrahlung e criação de pares, ambos processos 1 \rightarrow 2. Vamos também supor que a energia em cada um desses processos se divida igualmente entre os produtos finais. Vamos também supor que após a energia crítica E_c, acontece necessariamente ionização ou efeito fotoelétrico e a partícula é absorvida. Então, pela definição de comprimento de radiação dada acima, é imediato que a profundidade que o chuveiro adentra se a partícula inicial tem energia E_0 é:

L = \frac{\ln(E_0/E_c)}{\ln(2)} X_0

e o número médio de partículas criado é:

N = E_0/E_c

Claro que esse modelo é muito simplificado e dificilmente pode ser usado para uma análise quantitativa de eventos de altas energias, mas dá uma noção qualitativa do que está acontecendo dentro do material.

Para aplicações realísticas, esse é o típico caso em que uma simulação de Monte Carlo é adequada. A idéia é simples, você criar uma grande tabela com a seção de choque de todos os processos relevantes que você consegue imaginar. Seja calculando, como é possível na QED, seja medindo como é necessário quando entra em jogo fatores de formas atômicos e nucleares. Daí, você simplesmente vai dando pequenos passos no tempo, sorteando números aleatórios para ver que processo acontece e quando. Como vimos, em altas energias, muitas vezes o processo vai criar mais partículas, gerando o chuveiro. Quando a energia vai baixando, espalhamentos tipo Moller ou Bhabha se tornam importante e se você realmente faz passos pequenos, então aproximações para espalhamentos múltiplos tipo Moliere-Bethe funcionam bem.

Não é complicado, mas ainda assim pode ser implementado de forma errada. O programa mais popular que faz esse tipo de simulação chama-se GEANT. Muitas partes dele foram desenvolvidas numa época que 640k de memória era um luxo e grandes tabelas não eram muito práticas. Para isso, muitas seções de choque foram grosseiramente interpoladas e teorias de espalhamentos múltiplos foram usadas fora da sua área de validade. Para muitas medidas isso não importa, mas para medidas de precisão, grande parte desse programa precisou ser revista. Além disso, novas aplicações como, por exemplo, Física Médica necessitaram uma revisão das seções de choque de processo em baixas energias. Além do poder computacional, essa revisão não foi feita antes pois os dados mais precisos de seção de choque nuclear são de interesse bélico nuclear e só podem ser divulgados ao público muitos anos depois de medidas.

Com esse tipo de programa podemos simular detalhamente a passagem da radiação pela matéria e estudar detalhadamente como se dá a perda de energia com a evolução do chuveiro. Por exemplo, a figura abaixo mostra o depósito de energia longitudinal (ie, integrado na direção transversal) de um elétron com diferentes energias passando por um bloco de cobre:

Vê-se que mesmo numa simulação mais detalhada, o comportamento logarítmico persiste.

Leitura do sinal: Calorímetros de amostragem e calorímetros homogêneo

Até este momento, tudo que nos preocupamos foi como absorver a partícula no material. Isso não significa nada se não podemos transformar o produto dessas interações em um sinal eletrônico mensurável. Em princípio, tanto o destino de elétrons quanto de fótons é produzir elétrons livres e esses elétrons podem então ser colhidos mantendo uma diferença de potencial entre o terminal de leitura e o material que absorveu a partícula que quermos medir. No entanto, há dificuldades técnicas para fazer isso. Vamos entender como os processos descritos acima variam com o material: a depedência mais simples, mas mais importante é com o número atômico. A tabela abaixo resume os resultados:

Como era esperado, a seção de choque de todos os eventos importantes aumenta com o número atômico: quanto mais coisas no meio do caminho, mais facilmente a partícula é absorvida. Isso é importante, pois queremos manter o calorímetro num tamanho razoável. Os calorímetros usados nos experimentos de altas energias atualmente tem vários metros de diâmetro e pesam em torno de uma tonelada. Além disso, se os chuveiros não são absorvidos rapidamente, chuveiros de diferentes partículas podem se sobrepor, tornando impossível a separação e comprometendo a resolução.

Para obter esse tamanho “compacto” são usados materias com alto número atômico. Certamente você não pode ir além de 92, que é urânio. Chumbo também é bastante usado. O problema desses materiais é que eles são metais e são condutores elétricos. Então, não há como distinguir um elétron extra na banda de condução do cristal, já que ela já é, naturalmente, muito populada. Isso não é uma razão para abandonar completamente esse material: o urânio é um material particularmente interessante, já que processos nucleares produzidos por capturas de nêutrons podem efetivamente gerar um sinal (tal como numa “bomba nuclear”). Esse é um processo lento que tem sua importância em calorímetros hadrônicos, mas não em calorímetros que funcionam por interação eletromagnética, como as que estamos conversando até esse momento.

Existem, além do processo de ionização descrito acima, diversos outros efeitos que podem e são utilizados para leitura de sinal. A idéia desses outros efeitos é, em vez de coletar elétrons, coletar fótons gerados pelos elétrons. Dois processos relevantes são a cintilação e a radiação Čerenkov. A cintilação rápida é mais conhecida como fluorescência. Nesse caso, o elétron ou o fóton não ionizam completamente o material, apenas excita-no eletronicamente. Na desexcitação, fótons são liberados (em passos menores de energia) e podem ser coletados por dispositivos foto-sensíveis. A radiação Čerenkov ocorre quando uma partícula carregada percorre um meio com velocidade maior que a velocidade de fase da luz nesse meio. Quando isso acontece, um cone de luz é gerado e o ângulo de abertura pode ser usado para medir a energia da partícula.

Claro que, tal como para elétrons, você só vai ver luz se o material for transparente àquela frequência, o que não é o caso de metais em baixas frequências. Então, apesar de termos descrito vários outros efeitos, não resolvemos o problema que tínhamos anteriormente. Esse problema pode ser resolvido de duas formas, o que separa os calorímetros em duas classes:

  • Calorímetros de amostragem: Camadas de material absorvente, em geral metálico, são intercaladas por alguma material inerte, em geral um “gás nobre” liquefeito, que geram o sinal. O gás nobre não têm elétrons na sua camada de condução e elétrons gerados por ionização podem ser facilmente coletados. Esse é o tipo de detector usado no experimento ATLAS, no CERN. Plásticos cintilantes também são usados em lugar de líquidos nobres, mas há sempre a questão de introduzir cracks na estrutura, o que não acontece com um líquido.
  • Calorímetros homogêneos: O próprio material que absorve a partícula, gera o sinal a ser lido. Para isso, busca-se cristais exóticos que contenham um átomo de alto número atômico, mas que também contanham outros átomos de forma que a estrutura cristalina não contem elétrons na sua banda de condução e que sejam transparentes nas frequências de decaimento da excitação cintilante do cristal. Cristais que já foram usados em calorímetros são CsI, BGO, PbWO_4. Esse último, por sinal, é de que é feito o calorímetro do CMS, o outro experimento do LHC.

Calorímetros homogêneos, dado que você encontrou um cristal denso o suficiente para conter a radiação, cintilante e transparentes, tendem a ser muito melhores que calorímetros de amostragem (uma resolução de energia em torno de 1% contra algo em torno de 15% para calorímetros amostragem). No entanto, uma grande preocupação desse tipo de cristal é que eles tendem a sofrer mais danos estruturais com o uso. Isso acontece pois, além do efeitos que procuramos, alguns elétrons mudam a estrutura cristalina do material, efetivamente danificando a estrutura de bandas e fazendo com que o calorímetro deixe de funcionar.

Como o calorímetro é usado num experimento e consequências para a simulação

Como discutimos no início, um experimento de altas energias não é composto apenas de calorimetria. Todo experimento de altas energias é composto de um sistema de tracking e um sistemas de calorimetria que atuam juntos. Nenhum experimento é “perfeito”, no sentido que escolhas tem que ser feitas para priorizar um tipo de sinal sobre o outro. Por exemplo, o sistema de tracking do experimento CDF, no Tevatron, é enorme em comparação ao D0. Isso quer dizer que, com o mesmo campo magnético, se consegue uma resolução muito maior. No entanto, isso faz com que parte da energia da partícula seja perdida antes de chegar no calorímetro e, se você quiser saber bem a energia com que a partícula foi criada, todas essas interações tem que ser modeladas/medidas.

Esse problema se torna mais promeniente quando a partícula é produzida com alto momento longitudinal (ie, na direção do feixe). As figuras abaixo mostram como grande parte da energia pode ser perdida: esse é, novamente, o perfil radial do deposito de energia de um elétron de 45\, GeV no calorímetro do D0, onde cada região vermelha corresponde a uma segmentação nessa direção e a primeira região corresponde ao material morto antes do calorímetro. O primeiro gráfico é uma partícula em incidência normal e o segundo para uma partícula com pseudo-rapidez 1, o que corresponde a um ângulo de 40^o:

Na prática, o principal efeito dessa energia perdida é também uma diminuição da resolução. Como vimos até agora, a medida da energia da partícula depende de uma contagem, seja de fótons ou de elétrons. Processos de contagem, quando a probabilidade de um evento individual é raro, seguem uma estatística de Poisson. Essa é a razão de, no início, ter dito que a resolução do calorímetro aumenta com a energia, pois essa é uma propriedade da distribuição de Poisson:

\frac{\sigma(E)}{E}=\frac{1}{\sqrt{E}}

Com o material morto, você tem um parâmetro de nuissância extra, que é o quanto de energia foi perdido antes. O efeito na resolução pode ser medido, como no gráfico abaixo, novamente para o calorímetro do D0:

O desvio costuma ser modelado com um termo 1/E como mostrado na figura acima e é conhecido como termo de ruído. Voltando então ao tópico das escolhas que se faz no projeto de um experimento, é possível tentar minimizar esse efeito. O CMS, um dos experimentos do LHC, optou por colocar o solenóide que gera o campo magnético para medida do momento por tracking fora do calorímetro. Isso faz com que se tenha dificuldades no projeto do solenóide mas garante uma excelente resolução no calorímetro (além de, como já citei, usarem um calorímetro homogêneo).

Chuveiros hadrônicos: resolução e compensação.

Nas reações que ocorrem em colisões de altas energias, muito hádrons são produzidos e esses hádrons, a partir de poucos GeV, começam a interagir com o núcleo dos átomos do calorímetro. Reações nucleares são muito mais complicadas e geram muito mais partículas que reações eletromagnéticas e eu posso abordar esse tópico em outro post, mas não nesse. Nesse post eu vou me continuar me concentrando nas reações eletromagnéticas.

Os hádrons mais leves, e por isso os que são produzidos em maior quantidade, são píons. Píons, além de interarigem através da força forte com o núcleo, interagem eletromagneticamente, seja porque são carregados ou através de anomalias quânticas. Anomalias são responsáveis pela reação \pi^0\rightarrow \gamma\gamma que dá origem a chuveiros eletromagnéticos que coexistirão com os chuveiros hadrônicos. As reações nucleares são bem diferentes das eletromagnéticas, pois há uma grande perda de energia devido à energia de ligação dos núcleos, que é muito maior que a energia de ligação dos elétrons. Essa mistura dos dois chuveiros geram perfis pouco uniformes como os quatro gráficos, gerados com píons de mesma energia passando pelo mesmo calorímetro (chumbo+cintilador plástico), mostram:

Um calorímetro é dito compensante se a resposta hadrônica for idêntica à resposta eletromagnética. Vamos tentar entender a origem dos problemas que aparecem quando o calorímetro não é compensante.

O primeiro problema ocorre devido ao comportamento da amplitude de espalhamento para a reação \pi^0\rightarrow \gamma\gamma com o momento do píon. Como é característico de anomalias, essa reação vai dominar em altas energias enquanto as reações hadrônicas vão dominar em baixas energias. Um calorímetro não compensado vai ter que ser calibrado com uma função que varia com a energia, o que torna o processo mais complicado. Claro que isso é um problema técnico, mas o fato das duas componentes terem médias diferentes também causa um problema intrínsico: a degradação da resolução, já que você vai estar somando distribuições mais espalhadas no espectro de energia. A figura abaixo exemplifica bem esse efeito:

Em calorímetros usuais, você não mede as componentes eletromagnéticas e hadrônicas separadamente, embora isso possa ser feito usando sistema de aquisição que são sensíveis a cada uma das componentes individualmente. Se você tem os dois sinais, a compensação pode ser obtida offline. Usualmente, as duas componentes são medidas juntas e toda tentativa de atingir compensação offline falha (o que nunca impediu várias pessoas de tentarem).

Então, compensação é algo que tem que ser feito durante o processo de leitura. Existem duas técnicas usadas para atingir compensação. Uma, que eu já citei aqui, é amplificar o sinal nuclear. Essa é a idéia usada no D0, no Fermilab, que possui um calorímetro de urânio. O núcleo do urânio, ao interagir com os píons, geram nêutrons que interagirão com outros núcleos, gerando mais nêutrons, tal como numa bomba nuclear. Isso gera uma amplificação do sinal nuclear que faz com que o calorímetro se torne compensante. O problema dessa técnica é que ela demanda tempo, pois exige que os nêutrons termalizem para que sua seção de choque nuclear se torne apreciável. Quando o Tevatron foi ligado pela primeira vez, as colisões eram suficientemente espaçadas para que se pudesse esperar esse tempo. Hoje isso não é mais possível, pois o tempo entre reações é muito curto e o calorímetro é bem não-compensante.

Uma terceira técnica, que foi usada no calorímetros do ZEUS, no HERA, era usar a diferença de tempo entra o sinal hadrônico e o sinal eletromagnético. Assim, escolhendo uma janela de tempo adequada, pode-se favorecer a amostragem nuclear em relação à eletromagnética e atingir compensação. Eles podiam fazer isso pois usavam um cintilador plástico que continha bastante hidrogênio, que gera bastante recúo elástico na colisão com nêutrons e, logo, um sinal grande o suficiente para detecção. Abaixo, um gráficos da comparação dos dois processos descritos acima para o calorímetro do ZEUS:

Identificação de partículas com calorímetro

Ao comparar sistemas de tracking e calorímetros, concluímos que eles dão a mesma informação se conseguirmos identificar a partícula produzida. Identificação de partícula é um negócio complicado em experimentos de altas energias, mas uma identificação parcial pode ser feita no calorímetro usando o formato do chuveiro. Em geral, técnicas de discriminação usando redes neurais artificias são usadas para essa tarefa e isso é assunto para outro post mas, dado tudo que foi discutido aqui, pode-se fazer um resumo grosseiro de como é essa discriminação. A figura abaixo resume bem a mensagem desse post:

— Fim —

Categorias:Ars Physica
  1. M. Von Steinkirch
    quarta-feira, 30 jun 2010; \26\America/New_York\America/New_York\k 26 às 14:05:08 EDT

    Texto de divulgacao bem elaborado.

    obs.: Desculpa o academicismo, mas “Ha muito tempo”, nao “A”, verbo haver, mesmo erro occore em sua apresentacao.

    • quarta-feira, 30 jun 2010; \26\America/New_York\America/New_York\k 26 às 20:46:33 EDT

      É, tem tanto erro de pt que quase sinto vergonha… mas eu vou consertando aos poucos.

  2. quinta-feira, 1 jul 2010; \26\America/New_York\America/New_York\k 26 às 11:47:09 EDT

    Uêba! Você lembrou!!!

    Valeu, Rafael! Vou ler com cuidado!

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